Pontos principais desse artigo:
- Semana de 21 a 25 de março de 2022 trouxe dados importantes sobre o crescimento da indústria musical de países como Brasil, Coreia do Sul e Itália, mostrando também o papel da Propriedade Intelectual na economia interna desses países e na descentralização cultural da cena global;
- Artistas como Anitta e Måneskin mostram que Spotify e redes sociais têm se juntado a métricas “convencionais” de sucesso (como vendas e execuções em rádio); e em alguns casos, até mesmo superado essas métricas;
- Muitos dos sucessos globais são cantados em idiomas que nem sempre são o idioma de origem dos seus intérpretes;
- Por mais paradoxal que pareça, métricas dos países dominantes ainda são importantes para a análise da descentralização cultural;
- Os fãs têm papel cada vez mais ativo e consciente na movimentação da indústria da música;
- Propriedade Intelectual transforma a economia e as dinâmicas socioculturais.
Que semana essa a de 21 a 25 de março de 2022!
Começamos com a notícia de que o Brasil foi o maior mercado de música da América Latina em 2021, segundo os dados finalizados do Global Music Report 2022 da International Federation of the Phonographic Industry (IFPI), que foi publicado na terça feira (22/03/22). E terminamos a semana com a brasileiríssima Anitta chegando ao n.º 1 no Top 50 Global do Spotify com a música “Envolver”! Ela é a primeira brasileira a alcançar este feito e a primeira latinoamericana a chegar a este lugar com uma música lançada sem colaborações com outros artistas.
Anitta inclusive teve sua foto como destaque no relatório da IFPI, em uma análise sobre as tendências de crescimento do mercado musical brasileiro. Ainda nesta semana, tivemos a Luísa Sonza, em sua colaboração com Davi Kneip, Mc Frog e DJ Gabriel do Borel, “sentaDONA (Remix) s2”, entrando no Top 100 do Spotify. Muitas conquistas para o Brasil nesta semana!
Mas também tivemos notícias interessantes relacionadas a artistas de outros países e que mostram como a música, o streaming e a Propriedade Intelectual movimentam economias e alteram os paradigmas de quem domina as tendênciasm undiais.
No mesmo relatório da IFPI que mencionamos anteriormente, os sul coreanos do BTS foram consagrados como os artistas que mais venderam música no mundo em 2021. Seu single “Butter”, cantado em inglês, fechou o ano como a 4ª música que mais arrecadou receitas, e seu álbum “BTS, The Best”, com músicas cantadas em japonês, também pegou o 4º lugar no ranking dos maiores álbuns de 2021.
O BTS também a fecha semana de 20 a 25/03 com a notícia de que sua música “Dynamite” entrou no rol das 100 músicas mais transmitidas de todos os tempos no Spotify, com mais de 1,2 bilhão de streams.
A Coreia do Sul caiu uma posição no ranking dos maiores mercados de música do mundo: passou de 7º para 6º. Mesmo assim, continua no Top 10 e emplacou dois artistas entre os que mais arrecadam com música no mundo. Além do BTS, o Seventeen também apareceu no Top 10 dos maiores artistas do mundo, em 9º lugar.
A música sul coreana teve destaque em outra notícia que saiu esta semana. Em 25/03/2022, o Bank of Korea (BOK) divulgou dados sobre as receitas da Coreia do Sul com exportação de produtos e serviços relacionados à Propriedade Intelectual. Essa receita chegou a USD 20.86 bilhões em 2021. É um expressivo crescimento em comparação com os USD 15.42 alcançados no ano anterior, e o menor déficit do país já detectado desde que esses dados começaram a ser medidos, em 2010. Ainda de acordo com o BOK, grande parte deste feito se deve ao crescimento do grupo BTS, das séries, filmes e webtoons coreanos.
Um outro país de destaque no ranking da IFPI foi a Itália, que agora faz parte dos 10 maiores mercados de música do mundo, na 10ª posição (posição que o Brasil ocupou em 2018 e 2019!). Além desses dados da IFPI, a Federazione Industria Musicale Italiana (FIMI) também divulgou nesta semana que as receitas com música na Itália cresceram 27,8% em 2021.
O que todos esses dados dizem? Vamos fazer algumas reflexões juntos:
Novos tempos, novas métricas
Embora paradas como a Billboard continuem importantes, a repercussão do #1 de Anitta no Spotify Global mostra como o streaming tem se tornado uma das principais métricas de sucesso atualmente, equivalendo ou até mesmo superando o impacto cultural de métricas relacionadas a vendas ou execuções em rádio – inclusive por nos permitir esse olhar mais global e descentralizado sobre a música.
Outros fatores de impacto cultural que têm se juntado a métricas “convencionais” são a popularidade em redes sociais. A Itália, por exemplo, tem artistas que já alcançaram enorme sucesso comercial em diversas partes do mundo, como Laura Pausini, Eros Ramazotti, Luciano Pavarotti e Andrea Boccelli. Mesmo assim, a diretora da Sony Music na Itália acredita que é a primeira vez que um artista italiano alcança o tipo de impacto que a banda Måneskin alcançou em 2021, quando sua performance no festival Eurovision ganhou popularidade no TikTok e Twitter.
Banda italiana Måneskin se apresenta no American Music Awards de 2021, mesmo ano em que o grupo sul coreano BTS ganhou o prêmio de Artista do Ano nesta mesma premiação. Embora essencialmente americana, em nome e substância, a premiação refletiu o destaque que artistas de fora do espectro americano tiveram nos Estados Unidos da América.
Quanto mais o mundo se conecta, mais as dinâmicas de origem e idioma se complicam no mundo da música – e isso é bom
Em 2018, quando o BTS alcançou o #1 na Billboard 200 (a parada dos álbuns mais vendidos nos Estados Unidos) com um álbum cantado predominantemente em coreano, o jornal The Guardian publicou uma matéria com o título: “O inglês não é mais a língua padrão do pop americano”.
Não somente o BTS continuou a crescer desde então, chegando a alcançar também o #1 da Hot 100 (parada de singles da Billboard) nos Estados Unidos com uma música em coreano (“Life Goes On”), como ainda vimos outros artistas de países não falantes de Inglês conquistando novos espaços, com músicas em diversos idiomas que nem sempre são o seu idioma de origem.
Por exemplo, enquanto produzimos este texto que você está lendo, a música mais reproduzida no Spotify em todo o mundo é cantada em espanhol, por uma brasileira, falante nativa de Português. BTS são falantes nativos de coreano que alcançam feitos extraordinários com músicas em inglês, coreano e japonês. A banda Maneskin é italiana, mas viralizou no mundo inteiro com uma música em inglês.
Basicamente, quando o tema é sucesso e impacto cultural, não existe regra sobre de onde você vem ou em que língua você canta. Na verdade, nunca existiu, mas isso agora está mais evidente ainda, conforme essas dinâmicas de origem e idioma se complicam e influenciam cada vez mais as métricas de sucesso. Mas é uma complicação interessante e até mesmo positiva, que nos força a repensar ideias e estereótipos.
Com certeza, muitas pessoas de fora do Brasil que descobrem que Anitta é brasileira não se espantam ao ouvi-la cantando em espanhol, pois erroneamente presumem que essa é a língua falada no Brasil, devido à nossa vizinhança com outros países falantes dessa língua.
Ou, muitas pessoas que ouvem o BTS cantando em japonês não se espantam, pois não sabem ou não se importam em saber que eles são coreanos e o japonês não é a sua língua nativa, sobretudo por causa da crença equivocada de que “asiáticos são todos iguais”.
Assim, o sucesso de artistas como eles, quando cantam na sua língua nativa ou mesmo em uma língua mais popular, trazem muitas repercussões socioculturais interessantes e muito necessárias!
Por mais paradoxal que pareça, métricas dos países dominantes são importantes para análise da descentralização cultural
Embora ainda se veja uma predominância das línguas inglesa e espanhola, não dá pra negar que as dinâmicas de local e idioma têm se tornado cada vez mais complexas.
Já faz bastante tempo que cantar em inglês ou espanhol é uma estratégia chave para artistas locais que desejam uma carreira internacional. Foi o caso de artistas como Roxette, Shakira, Ricky Martin e Xuxa, que conseguiram carreiras internacionais bem sucedidas ao lançarem músicas em inglês ou espanhol. O que não é de estranhar tanto, uma vez que são 2 das línguas mais faladas no mundo. Mas isso também se explica pelo papel que países como os Estados Unidos e Inglaterra ocupam na cena comercial e cultural global.
Os Estados Unidos já são o maior mercado de música do mundo há muito tempo, fora toda a influência e papel de dominância que eles ainda têm no lançamento e exportação de produtos culturais que se tornam populares no mundo inteiro. A Inglaterra também é um dos maiores e mais influentes mercados musicais do mundo.
Já a América Latina e demais países falantes de Espanhol, por mais que não tenham a mesma expressividade econômica quando analisado um ou outro país individual, é expressiva quando considerada de uma forma integrada. A grande presença de latinos nos Estados Unidos também contribui para que eles alcancem presença e influência na cultura daquele país (embora também enfrentem dificuldades e preconceito).
Por todos esses motivos, dá pra entender porque artistas como BTS cantam em inglês, apesar de serem coreanos; ou porque a brasileira Anitta investe em sua carreira na América Latina há tantos anos, e agora canta também em inglês.
Mas nem mesmo essa estratégia “segura” garante que um artista consiga replicar ou superar o sucesso no seu país de origem. Muitos desses artistas ainda enfrentam enorme resistência nos maiores mercados de música, mesmo cantando nas línguas oficiais destes países.
Por isso, ainda que pareça paradoxal falar em descentralização da cultura tendo um parâmetro como os Estados Unidos, por exemplo, o sucesso comercial e de popularidade de artistas como BTS e Måneskin nesse país são, sim, muito significantes. E a conquista do #1 global por Anitta com uma música espanhol também ajuda a complicar, de uma forma positiva, as dinâmicas socioculturais da indústria musical.
Os fãs têm papel cada vez mais ativo, consciente e estratégico na movimentação da indústria da música
Diferenças à parte entre as bases de fãs, há um ponto de semelhança entre o esforço dos brasileiros em fazer Anitta conseguir o #1 que foi visto nas redes sociais na semana de 20 a 25/03/22, e a mobilização dos fãs do BTS em todas as vezes em que eles alcançaram o topo das paradas de álbuns e singles em diversos países.
Os contextos culturais são distintos, e cada base de fãs tem suas próprias características enquanto comunidades. Mas em geral, são casos que mostram que os fãs querem cada vez mais serem agentes dessas mudanças socioculturais que têm tomado conta da indústria musical global. Esses fãs criam projetos, comprometem-se a aumentar a sua quantidade individual de streams, e até mesmo estudam formas de melhorar a performance dos seus ídolos por meios lícitos. São fãs interessados em jogarem as regras do jogo para ver o seu ídolo ganhar e conseguir um espaço em cenários globais.
Muitas vezes, esses comportamentos também são formas que os fãs encontram de “preencher” lacunas que seus ídolos enfrentam naturalmente na busca pelo sucesso, como, por exemplo, a resistência das grandes mídias corporativas em receberem esses artistas e tocarem suas músicas.
Propriedade Intelectual movimenta cultura e economia
As métricas do IFPI que citamos nessa matéria levam em consideração a arrecadação de direitos autorais em:
- streaming (Spotify, Deezer, Apple Music, Tidal etc);
- vendas digitais (iTunes, downloads digitais em geral);
- vendas físicas (CDs, vinil etc);
- execução pública (rádio, eventos etc);
- licenças de sincronização para programas de TV, publicidade etc.
Logo, tudo isso conta para medir o impacto de artistas e o crescimento de países no mercado global!
Os direitos autorais e seus direitos conexos (seja na música, filmes, livros, séries de TV, games etc) são uma espécie de Propriedade Intelectual — assim como outros direitos envolvidos no mercado da música e entretenimento, como: marcas, patentes, programas de computador e desenhos industriais que protegem designs.
Como mencionamos anteriormente, a Coreia do Sul é um dos países cuja economia tem se transformado por meio da Propriedade Intelectual sobre seus produtos culturais. E assim como ela, vários outros países, cidades, empresas e indivíduos têm suas realidades impactadas pelos direitos sobre suas criações.
Tudo isso é Propriedade Intelectual. Tudo isso movimenta a economia e a cultura.
Matérias citadas ou referenciadas neste artigo:
- Yonhap News Agency (25/03/2022): Korea logs record low trade deficit in IP rights in 2021
- UOL (25/03/2022): Anitta chega ao 1º lugar no Spotify Global com ‘Envolver’
- Music Business Worldwide (23/03/2022): Italy generated recorded music revenues of $392.4m last year, and landed at No.10 on the list of the world’s Top 10 markets
- IFPI (22/03/2022): IFPI_Global_Music_Report_2022-State_of_the_Industry.pdf
- The Guardian (31/05/2018): English is no longer the default language of American pop | K-pop
Imagem destaque: arte por 3Três Consultoria e Criação, com uso de elementos permitidos. Todos os direitos reservados. Fotografia de fundo por 3Três Consultoria e Criação. Todos os direitos reservados. Fotografia da banda Måneskin usada mediante licença Creative Commons.